Com os recursos consumidos mais
rapidamente a cada ano, o planeta só se salvará do esgotamento por meio de uma
mudança no estilo de vida e na lógica do consumo
Não faltam alertas sobre os impactos dos meios de produção e de consumo nos ecossistemas do planeta |
A questão é
relativamente simples: ou nos damos conta de que o planeta é um só e os
recursos são finitos, ou estaremos determinando o mais sombrio cenário – ainda
neste século – para nós mesmos e para aqueles que vierem depois. Parece um
alerta terrorista, mas o diagnóstico é dos cientistas. Sucessivos relatórios do
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), do Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), do Worldwatch Institute, entre tantas
outras organizações reconhecidamente sérias e prestigiadas na comunidade
científica, denunciam os impactos vorazes dos atuais meios de produção e de
consumo sobre os ecossistemas planetários. É como se dá quando um parasita vai
drenando lenta e progressivamente os elementos vitais do hospedeiro.
Enfraquecida, a Terra já dá sinais de desgaste. Em 19 de agosto do ano passado,
alcançamos mais cedo o Earth Overshoot Day (Dia Mundial da Sobrecarga), quando
se descobriu que em apenas oito meses consumimos todos os recursos previstos
para abastecer a humanidade ao longo de um ano inteiro. De acordo com a
organização Global Footprint Network, que realiza o cálculo ano a ano, desde
2000 a data vem chegando perigosamente mais cedo: de 1º de outubro em 2000 a 19
de agosto em 2014. Se o planeta fosse uma empresa, estaria literalmente no
vermelho, em regime pré-falimentar.
A menor parcela da
humanidade – notadamente a minoria mais abastada – é responsável pelos impactos
mais devastadores. “Os 65 países com maior renda, em que o consumismo é
dominante, foram responsáveis por 78% dos gastos mundiais em bens e serviços,
mas contam com apenas 16% da população mundial. Somente os americanos, com 5%
da população mundial, ficaram com uma fatia de 32% do consumo global. Se todos
vivessem como os americanos, o planeta só comportaria uma população de 1,4
bilhão de pessoas”, denunciou em um de seus relatórios o Worldwatch Institute.
A solução é desarmar
a bomba-relógio do hiperconsumo, não mais associando a acumulação de bens e
posses como indicadores de realização pessoal e felicidade. Isso começa dentro
de casa, passa pela escola, universidade e mercado de trabalho. Ser feliz com
menos não é apenas possível, é absolutamente necessário. Uma nova cultura, onde
o consumismo só seja bem-vindo quando aludir a acúmulo de conhecimento, lazer,
entretenimento, mais tempo para a família e os amigos. Um estilo de vida
mais simples, no qual ostentar a abundância seja algo cada vez mais digno de
piedade.
É preciso também
acelerar os mecanismos que tornam obrigatórias a rastreabilidade (origem) e a
selagem (certificação) dos produtos e serviços. Ampliar o entendimento do
consumo como um ato político, com impactos diretos sobre o planeta e a
qualidade de vida das pessoas que vivem nele. Privilegiar as marcas éticas e
discriminar aquelas que não promovem a sustentabilidade em suas rotinas.
Consumo consciente é
o norte magnético da bússola que deve orientar o aparecimento de uma nova
cultura menos egoísta e mais igualitária, com menos “eu” e mais “nós”.
Precisamos deixar de ser passageiros para assumir a condição de tripulantes
dessa nave azul, assumindo a responsabilidade pelo legado que deixaremos após a
nossa passagem por aqui. A boa notícia é que dispomos de todas as informações,
de todo o conhecimento, de todas as tecnologias necessárias para virar esse
jogo. Não é o planeta que precisa de ajuda. Somos nós.
Artigo extraído na íntegra do caderno "Consumo Consciente" da Editora Globo e de autoria do Jornalista André Trigueiro. Disponível em (http://app.cadernosglobo.com.br/volume-07/consumo.html#artigo-08).
ANDRÉ TRIGUEIRO é jornalista especializado em
ecologia e sustentabilidade. É editor-chefe do programa Cidades e soluções, da GloboNews, comentarista da rádio
CBN, articulista do G1 e repórter da TV Globo. É professor de Jornalismo
Ambiental na PUC/Rio e Geopolítica Ambiental na Coppe/UFRJ. É autor de vários
livros, entre eles Mundo
sustentável (editora
Globo, 2005 e 2012) e Espiritismo
e ecologia (Federação
Espírita Brasileira, 2009).
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